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Mensagem por Darya Faure Bertrand Sex Fev 12, 2021 4:49 pm

IF I COULD BE ANY PART OF YOU, I WOULD BE YOUR TEARS. TO BE CONCEIVED IN YOUR HEART, BORN IN YOUR EYES, LIVE ON YOUR CHEEKS AND DIE ON YOUR LIPS.
Darya Faure Bertrand
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Mensagem por Darya Faure Bertrand Sex Fev 12, 2021 5:00 pm



I. o conto da aranha




Violet acordou subitamente.

A mão pequena foi levada ao colar no pescoço, mas Alnilam estava silencioso e frio. O toque do cristal na ponta dos dedos atuou como uma âncora para os pensamentos abstratos da garota, e bastou apenas alguns segundos de uma respiração calma para que silenciasse os tantos pensamentos dúbios.

O cubículo que chamava de quarto estava curiosamente frio naquela noite. Ela demorou pouco tempo para perceber que a brisa frígida da madrugada o adentrava de forma copiosa, agitando as longas cortinas brancas de cetim que a menina havia improvisado. Estranhou, uma vez que era de costume fechar todas as frestas antes de recolher-se para dormir; pensou que havia esquecido, embora a hipótese lhe parecesse rasa. Violet era extremamente metódica.

Quando levantou, se dirigiu ao encontro dos pedaços de pano esvoaçantes. Sob a égide das trevas, pareciam fantasmas inconstantes, e o assobio de Zéfiro compunha a trilha sonora daquele momento que lhe parecia um suplício. Fechou as janelas, agora tendo a certeza de encaixar corretamente o trinco para impedir que elas fossem abertas novamente; quando preparava-se para puxar as cortinas sobre o vidro, notou nele um reflexo anômalo em algum local atrás de si.

— Por que fechou as janelas? — Questionou-lhe. — Não te agrada o frio da noite?

“No momento, não”.

Os pés descalços já estavam fartos do contato desprotegido com o piso de madeira. As temperaturas negativas que pareciam ter feito morada no chalé eram as responsáveis por condensar em pequenas nuvens brancas a respiração entrecortada da semideusa.

— Eu devia ter adivinhado que era você — Violet murmurou, abraçando a si própria. Uma reverência comedida e educada, muito respeitosa, aconteceu. Aquele gesto causou no interlocutor o princípio de um riso que morreu no escarlate de seus lábios, mas a mais nova ainda conseguia ver algum divertimento lânguido e estrangulado nos olhos da criatura. — Não sabia que você tinha permissão para estar aqui.

— Há muitas coisas que você não sabe, Violet. — Deduziu ele, misterioso. A moça não pôde deixar de notar como os olhos dourados e luminosos do predador percorriam as curvas de seu corpo, e sentiu-se praticamente despida, apesar da camisola de renda fina que ocultava sua nudez total. — Não queria estar aqui; Quíron sabe como manter entidades como eu afastadas. Entretanto, é uma visita quase necessária.

— Por que ele iria querer manter você longe do Acampamento? — Murmurou, uma sobrancelha levantada denotando sua curiosidade.

— Os deuses acham um pouco inapropriado que eu apareça assim, fora de meus domínios. — Morfeu agitou os dedos compridos, esquálidos, brincando com uma poeira dourada que flutuava como um rio em miniatura entre suas falanges. — Mas notei algo estranho ultimamente.

— Aqui?

— Não, mas próximo. — Sussurrou. — Perigosamente próximo, para ser sincero. Uma coisinha pequena como você sequer deve imaginar o quão vasto e perigoso pode ser o subúrbio de Nova York, e é lá que algo tomou forma. O Senhor Hipnos foi informado, e os Oneiros tentaram entrar em ação, sem sucesso.

— E que tipo de problema é esse? — Violet correu as íris pelas do deus. — Se nem os seus subordinados conseguiram resolver, o que o faz pensar que eu conseguiria?

— Oh, senhorita Del'Amour… — Riu fracamente. — Vocês semideuses têm dons extraordinários. É por isso que são tão estimados… E odiados na mesma proporção.

— E o que aconteceu em Nova York?

— Nada aconteceu. Bom, nada estridente. E é isso que me preocupa, Violet. — A poeira mística e dourada que rondava os dedos do deus se condensou em sua palma em uma forma humanoide, a qual começou a caminhar sobre a pele branca da criatura. — Os sonhos dos mortais simplesmente desapareceram. Ninguém os viu: nem os Oneiros, nem eu, nem o Senhor Hipnos. Tentamos procurá-los no Mundo Onírico, mas é como se esses mundanos simplesmente não sonhassem mais.

— E isso é ruim?

— Depende. — Confessou, dando de ombros. — Todos vocês irão parar de sonhar um dia, e novos sonhadores virão. Mas isso foge da regularidade de nossa esfera de poder, senhorita.

Morfeu fechou a pessoa de poeira entre os dedos, esmagando-a. Reduziu-a a pó, e novamente passou a brincar com as partículas douradas fazendo-as flutuar em massas amorfas.

— Acredito que os sonhos dos mortais estão presos, bem como suas mentes.

— É por isso que está aqui? — Del'Amour ignorou a presença da deidade, caminhando poucos passos até sentar no colchão macio onde outrora repousava. Morfeu continuou parado na penumbra, seu manto escuro cobrindo-o por completo. — Acha que irei ajudá-lo?

— Acho. — Alargou o sorriso. — Você é a única apta ao trabalho, e é alguém por quem nutro certa estima. Penso agora que você talvez seja a melhor opção que tenho para solucionar o que está acontecendo. Afinal, você sabe melhor que ninguém como entender a psique humana. Esse dom, minha cara, infelizmente está além das minhas capacidades levianas.

— Você é louco.

— Sou, assim como você, um sonhador. — Ergueu a mão, guiando a poeira dourada pelo ar até que ela rodeasse o corpo magro de Violet. Ela entendeu tardiamente o que acontecia, e sua última reação foi um arregalar de olhos quando se deu conta das intenções do deus. Morfeu ainda sorria quando a escuridão avançou pelas periferias de sua visão.

O sorriso dele acompanhou-a por toda a viagem que se seguiu.



[...]



A vertigem atingiu-a poucos após a chegada. Piscou algumas vezes, tonta, apoiando o corpo na parede de tijolos mais próxima. Violet precisou de alguns segundos para restabelecer o equilíbrio, tentando ignorar os últimos arrepios espasmódicos em sua epiderme.

Del'Amour sentia um frio no estômago sempre que Morfeu aparecia — o que não acontecia com frequência, mas ainda assim a deixava desnorteada —, de modo que memórias que ela lutava para manter escondidas sempre acabavam aflorando. Ela precisou de algum tempo recuperando o fôlego perdido, combatendo o despertar de lembranças tempestivas.

Somente então percebeu que estava sozinha.

Tinha roupas pretas e quentes, obras de Morfeu. Agradeceu mentalmente pela substituição repentina do vestuário, não tardando para que enfiasse as mãos no calor recluso dos bolsos do casaco.

Sem rumo, Violet passou a vagar pelas ruelas transversais. Ela não sabia para onde ir, tampouco o que fazer, e não conseguia sequer imaginar o que encontraria à espreita na próxima esquina. Não havia nenhum movimento por entre os prédios baixos do subúrbio.

Exceto por um corpo a caminhar sem rumo.

Violet estreitou os olhos ao vê-lo caminhando mais adiante com as mãos nos bolsos. Estava grogue, os olhos perdidos no horizonte em uma expressão vazia, o rosto praticamente pálido.

— Boa noite — Violet murmurou, tentando chamar sua atenção. — Você está…

... Bem?

Não concluiu a frase. De alguma forma, a Mentalista sabia que aquele estado no qual aquele homem se encontrava era perigoso e distante da realidade mediante os olhos da própria filha de Nix. Del'Amour engoliu em seco, sem ter outra alternativa a não ser segui-lo de perto. O indivíduo sequer notava sua presença.

Ele parecia em transe, as íris dilatadas fixas em algum ponto que ela não conseguia identificar. Dobrou em um beco escuro, sujo, no qual Violet hesitou alguns segundos antes de continuar em seu encalço. Pararam mediante um letreiro luminoso, de onde um tom rosa neon era emanado. Sob ele, uma porta os convidava a entrar. A dislexia da morena não a permitia ter a precisão do letreiro, então era como se estivesse adentrando a toca de um predador.

Seguiram por um corredor longo até o salão principal, onde uma música com uma batida frenética dominava toda a atmosfera. O homem que a garota seguira anteriormente se perdeu no meio dos demais, e ela já não pôde identificá-lo, embora não achasse que ele fosse necessário agora.

Fechou os olhos, buscando se concentrar.

Abriu-os momentos depois; não conseguia ler os pensamentos de ninguém.

“O que está acontecendo aqui?”

— Ora, ora — uma voz ecoou pelo lugar. Era feminina, bela e romântica, sedutora. — Você acha que eu não estou te vendo?

Mas ninguém exceto Violet parecia ouvir aquelas palavras. Tal constatação foi o suficiente para que Del'Amour pegasse sua corrente, tendo-a preparada junto a si, os olhos glaucos vasculhando a imensidão do lugar enquanto os demais humanos dançavam freneticamente sob a melodia das batidas eletrônicas. A música, contudo, parecia ter sido suprimida na própria mente da garota. Assim, era como se ela ouvisse somente a voz de outrem falando consigo.

— Aproxime-se — murmurou novamente. — Não farei mal a você.

A morena não tinha muita certeza daquelas palavras, contudo.

— O que está fazendo aqui? — Ela indagou sem nenhum alvo específico. — O que está fazendo com eles?

— Nada de ruim, garanto. — A voz feminina reverberou em sua mente. — Estou apenas arrancando as dores de suas vidas miseráveis. Isso lhe parece um malefício?

Violet olhou ao redor. Algumas pessoas tinham um olhar perdido enquanto dançavam, cansadas, e olhos marejados eram uma constante.

— Não me parece que eles estejam bem. — Replicou. — O que você fez com a mente deles? Não consigo detectar seus pensamentos, como se não houvesse nenhum ser pensante aqui. E Morfeu me disse que…

Morfeu…?

“Você fala demais, Violet!”, ela pensou em censura.

As luzes da boate mudaram da tonalidade rosa que anteriormente banhava a todos para um tom escuro de vermelho. Os humanos tornaram-se silhuetas escuras, pretas, e as sombras dos cantos do salão pareceram maiores e ameaçadoras.

— Acho que o deus dos sonhos quer seus amados humanos de volta. — Riu, a voz ecoando nas trevas.

Automaticamente, muitos rostos se viraram para Violet. A garota engoliu em seco ao receber olhares terríveis sobre seu corpo, ensandecidos e loucos. Em algum ponto superior no camarote principal, as cortinas se moveram e foram abertas. Observando todo o salão abaixo, a mulher de longos cabelos pretos tinha uma visão privilegiada do centro da pista de dança.

Tinha olhos amarelados. Lembravam até mesmo as íris de Morfeu, embora houvesse algo diferente naquela luz fraca que era emanada daqueles faróis em miniatura. O vestido escuro era colado ao corpo, e os dedos compridos terminados em unhas compridas tamborilavam no parapeito sob uma melodia entendida apenas por ela mesma. Seus olhos encontraram os de Violet, causando uma dor mental e uma tontura jamais vista na garota, que fê-la cambalear para um dos cantos do ambiente.

Sob seu sinal de fraqueza, a mulher riu.

— Vocês nunca sustentam o meu primeiro olhar. — Sibilou. — Não importa o quão fortes suas mentes sejam.

Ela movimentou a mão, e os humanos em transe passaram a dar passos pesados em direção a Violet. A filha de Nix ainda recobrava os próprios sentidos quando mãos anônimas tentaram segurá-la, das quais a garota se desvencilhou com puxões bruscos. Afastou-se, movimentando a corrente em um arco contra a primeira fileira de mortais em transe, atingindo-os e derrubando-os. Feridos e ensanguentados, ainda assim passaram a rastejar em sua direção.

— Eles não vão parar, senhorita. — Disse a outra, assistindo o desespero de Violet crescer exponencialmente conforme mais indivíduos tentavam alcançá-la. — Eles são implacáveis.

Um homem velho tentou se aproximar dela, mas um chute em seu peito foi o suficiente para derrubá-lo.

— Sei que são frágeis e quebradiços… — Proferiu. — Mas ainda assim são muitos. E você está sozinha.

Violet lançou a corrente contra um terceiro oponente, derrubando-o, mas outros dois já estavam sobre ela. Não teve tempo suficiente para lançar contra eles seus elos metálicos, de modo que dedos passaram a apertar sua carne frígida e o peso dos corpos hipnotizados subjugou a resistência dela. Foi o necessário para que outros pudessem alcançá-la, segurando seus braços e suas pernas, mantendo-a no meio do salão.

Por mais que Del'Amour tentasse se livrar daquele abraço coletivo, parecia uma missão impossível. Subitamente foi tomada pela sensação de sufocamento, e o desespero fê-la debater-se ainda com mais força buscando a liberdade daqueles braços e corpos que agora eram seu cárcere.

Enclausurada, ela notou que a boate inteira era modificada ao tom de verde tóxico. Não mais escarlate, mas uma cor de flora que fazia com que os rostos perto de si parecessem inumanos, monstruosos. Lágrimas surgiram em seus olhos, e mesmo a prece que tentou formular para Psiquê se perdeu no nó formado em sua garganta.

Shhh — um sussurro próximo a si elevou-se no ar. Não havia mais música, apenas gemidos dolorosos incompreensíveis das inúmeras pessoas ao redor. Estavam sofrendo, mas não conseguiam lutar contra o poder que os controlava. — Você está começando a delirar, querida.

— Não. — Violet disse, a voz seca.

Mas de fato achava que estava ficando louca. O teto e os pilares que os sustentavam estavam recobertos por teias prateadas e reluzentes, e aqueles fios claros eram os componentes de todo aquele cenário falso. Nada era real, ou ela estava apenas fora de si? Teve o sentimento de desolação em seu peito, e sentia-se fraca perante aquela teia gigante na qual estava presa.

Descendo do teto, pendendo de muitos daqueles fios imagéticos, a mulher de outrora vinha em sua direção. Ainda presa pelos inúmeros humanos, Violet foi incapaz de libertar-se. A criatura estava de ponta cabeça, o rosto perigosamente próximo do de Del'Amour. Bastou que esticasse a mão para tocar o queixo da menina, obrigando-a a manter os olhos fixos naquele par de orbes amarelos.

— Tão bonita, tão sã, tão cheia de vida. — Ao redor, o único som era o dos batimentos cardíacos de Violet. Ecoavam por toda a estrutura, como se qualquer um pudesse ouvir a velocidade dos movimentos de seu miocárdio. A jovem semideusa tentou virar o rosto para escapar da visão terrível daqueles olhos maliciosos, mas os dedos da criatura eram fortes, contrariando seu aspecto frágil. — Sei que está com medo, querida. Mas sou misericordiosa. Acalme-se, pequena borboleta, você estará longe desse calvário em pouco tempo.

Sorriu, e Violet foi levada pelo transe amarelo de suas íris. Ela sentiu como se o mundo se abrisse, e subitamente estava caindo em um abismo. Não havia mais o chão da pista de dança, nem humanos perdidos para prendê-la; restava apenas ela e a mulher que pendia do teto, mas até ela se afastava cada vez mais rápido conforme a semideusa despencava no vazio.

E a borboleta se perdeu na teia da aranha.



[...]




Mariposas coloridas voavam ao seu redor, donas do céu azul.

Violet demorou alguns segundos para deixar de olhar o páramo, ou mesmo as criaturas aladas, observando o jardim que morria ao seu redor. Folhas amareladas caíam sobre a grama, e até o tapete verde de Deméter cedia às cores foscas da morte. Era outono. Apesar da limpidez no céu, a ventania meridional era a responsável por levar as folhas secas em rodopios incompreensíveis, agitando o vestido aveludado que a menina utilizava.

— Violet! — Alguém chamou, atraindo a atenção da morena para a porta dos fundos do casarão branco que se erguia a poucos metros de distância. Devan estava apoiado sob a soleira, os olhos azuis como o da irmã fitando o horizonte que se fechava progressivamente. — Howard está chamando você.

“Howard?”

Sem contestar, aproximou-se da varanda e abraçou Devan subitamente. Sem entender a razão do contato repentino, o homem mais alto limitou-se a rir e dar alguns tapinhas nas costas da menina.

— Senti sua falta. — Murmurou, enfiando o rosto na camisa de linho que o irmão usava.

— Você me viu há pouco menos de uma hora. — Justificou.

Ela afastou ligeiramente o rosto para que pudesse observá-lo.

— O que foi?

— Nada.

Segurou a mão dele com força antes de deixá-lo, adentrando o interior da residência.

Não demorou para que reconhecesse os corredores claros. Tampouco tardou para que invadisse a copa naquele ar jovial que preenchia toda a casa, despertando a atenção de um Howard concentrado no jornal daquela manhã. Na mesa perante ele, uma gama de doces, pães e bolos faziam com que o estômago vazio de Del'Amour reclamasse.

— Devan disse que você me chamou. — Se aproximou do tutor.

— Correto. — Howard demorou alguns segundos para abandonar os olhos das letrinhas do jornal parisiense para encarar a cabeleira negra despenteada da jovem Violet. — Soube que você teve pesadelos de novo.

— É…

Sentiu uma ardência nas bochechas, ato comum quando era interrogada acerca dos sonhos que tinha desde a infância. Naquela época eram mais comuns, pois o outono despertava em Del'Amour lembranças das quais a menina tentava esquecer.

— Com o que sonhou dessa vez, querida?

Violet puxou uma cadeira próxima ao tutor, sentando. Mirou um doce açucarado sobre uma travessa de prata, subitamente atenta ao açúcar pálido. Ele a fez lembrar da neve.

— A nevasca. — Começou. — Aquele dia na Normandia. A estrada, vidro pelo chão, sangue. O farol do carro se apagando.

“O meu pai preso às ferragens”.

— Pobre garota. — Howard ajeitou os óculos. — Agora diga-me o que mais você sabe.

— Sobre o que? — Não olhou para ele. Estava em transe, tomada pela dor de seu passado.

— Sobre Morfeu.

Aquele nome não era condizente com o cenário em sua cabeça. As memórias do dia do fatídico acidente no norte da França se cruzaram, confusas, e Violet ficou levemente agitada e desconfortável.

— Morfeu?

— Por que ele a mandou até aqui?

— Eu não sei de quem você está falando.

— Você certamente sabe. — Howard murmurou. Sua voz parecia diferente, o que fez com que a menina o observasse. Seus olhos já não eram mais castanhos, mas sim amarelados e luminosos. Os dedos que seguravam o jornal eram compridos, terminados em unhas pintadas de vermelho.

O tutor inclinou-se adiante.

— E Psiquê? — Abriu um sorriso pequeno. — Onde ela está? Está aqui com você agora? Onde estão os outros Mentalistas, Violet? Me mostre.

Uma lembrança recente ecoou na mente de Violet. Era uma voz masculina, uma voz que ela reconhecia: “vocês semideuses têm dons extraordinários. É por isso que são tão estimados… E odiados na mesma proporção”.

Morfeu.

Psiquê.

Violet subitamente empurrou a travessa de doces na mesa. A prata fez um estrondo ao se chocar no chão, e alguns copos que estavam próximos caíram e se estilhaçaram.

Del'Amour levantou bruscamente. Howard continuou fitando-a com seus penetrantes olhos amarelos, querendo descobrir mais sobre a mente da Mentalista. Observando mais atentamente ao redor, ela notava que aquele cenário fantasioso — sua antiga casa em Paris — se desfazia. A pintura nas paredes descascava, o teto ganhou rachaduras irregulares.

— Isso não é real. — Ela percebeu. — Nada disso é.

Seus sentimentos anteriormente confusos tornaram-se focados, claros. Ela mentalizou seu desejo, sua ira; canalizou a fraqueza e o sentimento de impotência como combustíveis à sua matriz divina. Abriu a mão.

— Pare com isso, Violet. — Howard levantou, sua forma tremulando. Estava instável, assim como todo aquele lugar. Quebrava-se aos poucos. — Pare imediatamente.

Contrariando-o, Del'Amour concentrou seu poder na palma da mão e lançou-o com um grito de fúria contra o homem. A rajada psíquica atravessou o dono dos olhos amarelos sem nenhuma resistência, destruindo a parede atrás dele. Howard desintegrou-se no mesmo momento e toda a ilusão ao redor da filha de Nix pareceu ruir juntamente com a criatura.




[...]



A semideusa abriu os olhos. Estava parada na pista de dança, seu corpo outrora levado pelo embalo contínuo de uma batida eletrônica.

Ao redor, percebeu que os humanos que anteriormente eram seus algozes novamente dançavam sem parar, presos em seus cárceres pessoais. Levantou a vista para o camarote principal, encontrando a mesma mulher de anteriormente. Agora seu sorriso cínico havia desaparecido de seu rosto, e mirava Del'Amour com raiva.

Violet abriu caminho entre os mortais, dessa vez sem ser impedida por eles. Acessou a escada que a levaria ao topo, subindo dois degraus de cada vez, encontrando a Aranha em sua elegância assassina ainda observando os dançarinos abaixo.

— Você veio recuperar os sonhos deles, Violet? — Sorriu. — Veio salvar suas mentes frágeis? Quem a enviou: Psiquê ou Morfeu? Acho que isso não faz tanta diferença agora.

— O que você quer?

— Um espaço. Uma esfera de poder. — Comentou, dando de ombros. — Sobretudo, agora eu quero você. Você não sabe por quanto tempo eu tentei ascender do abismo, mas agora que eu estou aqui, não vai ser outro de meus iguais que irá me confinar novamente. Mas foi interessante brincar com você; Devan e Howard ficariam orgulhosos.

Violet cerrou os punhos.

— Oh, não precisa se exaltar. — A criatura disse abanando a mão. — Eu vi de você tudo que eu tinha para ver.

Aproximou-se de Violet, e dessa vez a garota não temeu em sustentar o olhar da outra.

— Mande um recado para Morfeu e Psiquê.

A mão alheia voou contra o peito de Del'Amour. Subitamente, desapareceu em sua pele como se fosse intangível. Violet, por sua vez, não conseguiu fazer nada além de gritar.

As luzes se apagaram, a música teve fim. Todos os corpos caíram tomados pelo cansaço de dias em uma dança interminável, e a teia da Aranha havia sido desfeita. A filha de Nix não soube em que momento exato o seu próprio corpo tombou, mas a criatura havia desaparecido. Não restou nada além da dor no peito da francesa, a qual tossia e rolava no chão, cansada.

Permaneceu confusa e deitada no escuro por algum tempo. Segundos? Horas? Dias? Não saberia dizer.

— Sou, assim como você, um sonhador.

Notou um brilho suave no ar, seguido daquela frase que também já ouvira mais cedo. Esse brilho era, na verdade, um pequeno filete de poeira amarela que rodopiou como um rio onírico. Lentamente se espalhou pela atmosfera como fios compridos, tocando cada ser humano caído na boate escura.

— Morfeu…

— Você se saiu bem. — Disse. Estava parado próximo a ela, observando seu trabalho se expandir pelo interior do lugar. Estático no mesmo local onde a Aranha estivera, ele parecia diferente, mais calado, sério.

— Quem era ela?

— Uma criatura perdida nas dobras do tempo. — Falou. Movimentou os dedos, e mais de sua poeira dourada recaiu sobre o corpo trêmulo de Violet. — Uma criatura que deveria permanecer enterrada para todo o sempre.

— Os sonhos…

— Os sonhos dos mundanos estão resguardados agora. — Ele garantiu. — Estão apenas dormindo.

— Ela os colocou em transe. Todos eles. Fez o mesmo comigo; de alguma forma consegui escapar.

— Ela se alimenta da energia psíquica, da sanidade de cada um. — O deus fitou Violet. — Ela é uma predadora, uma criatura muito velha, tão antiga quanto os homens e todas as suas obras. Ela é arcaica, movida pela fome, predando os mais fracos e destroçando suas cabeças para arrancar de suas vítimas sua sanidade, sua vida. Ela queria que você escapasse, deixou você ir embora da ilusão para medir o seu poder. Isso é preocupante.

— Morfeu… — Del'Amour chamou. — Quero ir pra casa.

O deus dos sonhos assentiu. Agitou as falanges no ar, e como da primeira vez naquela noite, suas partículas mágicas levaram Violet para longe dali.



[...]




Por algum motivo, Del'Amour gostava de organizar a biblioteca do Acampamento.

Perdida entre os inúmeros inventários e compêndios acumulados ao longo dos anos por Quíron, ela sentia que podia encontrar um resquício de paz e serenidade na companhia de páginas velhas e capas duras.

— Ainda confinada ao trabalho, senhorita Del'Amour? — Era a voz do centauro. Ele adentrou o cômodo em sua cadeira de rodas mágica, diminuindo a distância entre si e a Mentalista. Violet sorriu.

— Eu gosto. — Confessou. — Me ajuda a espairecer.

— Se precisar de ajuda, sabe que pode me chamar. — Ele estava se preparando para ir embora, mas algo que estava perturbando a francesa há algum tempo aflorou:

— Quíron! — Ela chamou antes que ele partisse. Atraiu novamente a atenção do instrutor sobre si. — Você por acaso tem alguma informação sobre uma… entidade?

— Que tipo de entidade, senhorita?

— Uma antiga, que se alimenta da sanidade de suas vítimas.

Notou uma sombra cruzar o olhar do centauro, mas Quíron suspirou.

— Há um conto muito antigo que tem origem nas tragédias gregas. É o conto da Aranha. — Fixou os olhos em Violet. — Diziam que havia em algum lugar do mundo conhecido uma aranha, e ela era uma predadora excelente. Sabia ser sedutora, atraía suas vítimas e as prendia em sua teia, e arrancava delas sua sanidade. Ela se alimentava das partes boas da mente humana, ficando mais forte. Porém, há quem diga que ela tinha preferência por caçar borboletas, pois delas ela poderia arrancar muito alimento.

Violet sentiu um arrepio incomum. Seu peito doeu no mesmo lugar onde a adversária a havia tocado dias antes.

— As pessoas tinham medo da Aranha, logicamente. Diziam que ela roubava seus sonhos e suas mentes, e que sua fome implacável a levava a cometer pecados maiores e imperdoáveis. Acontece que certo dia, as borboletas derrotaram a infame Aranha. — Quíron disse. — E ela desapareceu do mundo, sem forma física e sem teia para caçar, mas nunca realmente esquecida. Ela não tinha mais corpo, era apenas uma força a perturbar os mortais, ela jamais poderia ser realmente extinta. Sua ira e fúria a mantiveram ansiando por retornar a um estado de matéria nesse mundo, e até os dias atuais ela tenta, para continuar sua missão.

— Missão?

— Consumir todas as borboletas. Uma a uma, até acabar com sua luz e suas mentes.

Os Mentalistas.

A forma como a mulher a havia chamado de borboleta fez com que Del'Amour sentasse na cadeira mais próxima. Estava com frio, arrepiada, e a dor sobrenatural a incomodava.

— Você está bem, Violet?

— Estou, claro.

— Certo. — Ele não parecia acreditar, mas Quíron não era invasivo com seus discípulos. Estava prestes a ir embora novamente quando Violet atraiu sua atenção.

— Quíron, uma última pergunta.

— Sim?

— Qual o verdadeiro nome da Aranha?

O centauro ergueu uma sobrancelha.

— Lissa. A deusa da loucura.



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Mensagem por Hécate Dom Fev 14, 2021 2:03 am

avaliação

Eu realmente gosto de como você desenvolve suas histórias: ao mesmo tempo que é algo realmente denso, é fácil de entender e completamente cativante. Você envolveu várias figuras importantes para a sua história em um só post, e de forma alguma isso ficou exagerado, o que me deixou muito satisfeita.

Sua escrita também é muito agradável, devo acrescentar. Os detalhes sem escassez e a descrição minuciosa de tudo que ocorre ao redor do personagem é do meu gosto pessoal, e eu fico realmente feliz quando me deparo com uma escrita como a sua. É como se eu tivesse sido teleportada para o universo que você criou, e isso é incrível.

Realmente não achei deslizes para apontar aqui, então irei me ater aos elogios. Parabéns!

ResultadoCoerência: 40 de 40 pontos obtidos
Coesão: 30 de 30 pontos obtidos
Ortografia: 15 de 15 pontos obtidos
Organização: 15 de 15 pontos obtidos

Subtotal: 100 *3
Total possível em uma MBP: 300 xp's e 75 dracmas
Total obtido: 300 xp’s e 75 dracmas

descontos-4 mp pelo poder ativo Rajada psíquica
-15 mp por esforço físico

atualizado.

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