— assistance: mopim teste para neon visser;

Por mais que estivesse a quase um ano no acampamento meio sangue, nunca se acostumara verdadeiramente com o local. Embora costumasse dividir uma casa com mais seis pessoas e nunca ter tido seu próprio quarto pois o pequeno barraco em que vivia não permitia, mas ainda assim dividir o chalé com todos aqueles “irmãos” ainda era uma ideia meio bizarra. Como poderia ser irmã de todos eles? Todo a coisa de ser uma semideusa ainda lhe causava dor de cabeça quando tentava entender, mas a esta altura já havia passado da fase de aceitação e agia como se tudo aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.

Em compensação, a vida de Neon tinha mudado para melhor desde que Quinn Sawyer, uma rastreadora filha de Deméter, havia lhe levado ao acampamento salvando-a daqueles humanoides que planejavam lhe fazer de prato principal. Agora comia três excelentes refeições ao dia, dormia numa cama limpa e confortável e durante o dia participava de todo tipo de atividades estranhas que a vida semidivina demandava, tais como arquearia, equitação com pégasos, esgrima, artes e tantas outras. Naquela manhã estava praticando seu arremesso de facas quando ouviu um bafafá ali perto e como a boa fofoqueira que era, fingiu ter deixado uma de suas facas de treino cair perto do trio que cochichava e foi apanhar numa tentativa captar alguma parte da conversa.

—...Tentaram abocanhar mais do que conseguiam e agora estão assim.

— É, eu soube que foram enfrentar uma quimera

— Uma quimera? Mas eles não acabaram de entrar no acampamento?

— Foi, e agora estão na enfermaria. Olha lá mais um entrando.

Neon, que estava agachada fingindo ter dificuldades para recolher a faca, levou os olhos para a enfermaria bem a tempo de ver um corpo ser levado para dentro por dois campistas, mas pela distância não pôde ver nenhum detalhe. Sendo assim, a única solução seria ir até a enfermaria para dar uma boa olhada no estrago e saber mais detalhes do acontecido para poder fazer uma fofoca bem estruturada depois.

Sendo assim levantou-se e guardou as facas em seu devido lugar e  estava prestes a sair discretamente do treino quando o instrutor gritou seu nome e fez um sinal. Neon imediatamente fez cara de quem tinha chupado limão, mas deu meia volta e dirigiu-se ao campista que tinha as mãos na cintura e uma expressão desagradável no rosto.

— Posso saber onde estava indo? — Perguntou ele limpando uma faca com um trapo velho.

— Para a enfermaria. — A resposta teve o tom mais cínico possível, mas ainda assim não era uma mentira.

— Está machucada?— Ele a olhou atentamente tentando encontrar algum sinal de ferimento, mas obviamente não havia nenhum. Neon era uma exímia atiradora de facas e não iria se machucar num exercício tão simples como aquele.

— Estou com cólica. — Agora sim estava mentindo, mas sustentou a mentira com a maior cara de pau que pôde. O instrutor a olhou um pouco desconfiado e obviamente dividido entre a vontade de pressiona-la para uma resposta mais completa e o constrangimento de perguntar mais sobre o ciclo menstrual de sua aluna.

— Tudo bem, está liberada. — Concluiu de má vontade e Neon quis comemorar, mas tinha que manter-se no personagem então apenas meneou a cabeça e colocou a mão sobre a região do útero, fingindo estar com dor. Virou as costas para o instrutor e saiu se arrastando na direção da enfermaria e só quando teve certeza de que não estava sendo mais observada foi que deu uma pequena corrida para chegar à construção com maior rapidez.

Ao chegar na construção, empurrou a porta revelando assim o pandemônio que havia se instaurado em seu interior: Cerca de cinco corpos altamente feridos estavam dispostos em macas e curandeiros e assistentes corriam de um lado para o outro tentando atender a demanda. Neon entrou de mansinho, fechando a porta atrás de si o mais silenciosamente que pôde e tentou dar uma boa olhada nos doentes. Havia todo tipo de problema: Ossos quebrados, hemorragias internas, feios arranhões e é claro inúmeras queimaduras. Não era uma quadro nada bonito, mas já havia visto o bastante para rechear sua história, então tentou sair da mesma forma discreta como havia entrado, porém um dos curandeiros pareceu perceber sua presença e já corria e sua direção com uma bata e alguns materiais médicos em mãos acompanhado de Quíron em sua cadeira de rodas.

— Neon! Por um acaso está machucada? — Seu tom era levemente preocupado e urgente, mas obviamente que ela não era a razão para tal.

— Não, só estou com um pouco de cólicas. — Mentiu colocando novamente a mão sobre a área e imediatamente envergando a postura para parecer mais cansada.

— Bom, vou dispensa-la de suas tarefas diárias hoje se ajudar na enfermaria. Como pode ver, estamos enfrentando uma pequena… Situação. — Ele deu um risinho amarelo ao apontar para os leitos onde os semideuses feridos arfavam e gemiam.

— O que aconteceu exatamente? — Neon perguntou ainda tentando colher mais informações ao passo que bolava um plano para se livrar da nova tarefa.

— Este grupo resolveu fazer uma pequena excursão noturna  pelas entranhas da floresta e acabou encontrando uma quimera a qual decidiram enfrentar. O resultado foi este que você está vendo. — Ele tinha um lamento óbvio na voz, parecia muito mais preocupado do que bravo com a grave transgressão. — A enfermaria precisa de reforços, se você decidir ajudar estará livre de suas obrigações diárias hoje.

— Eu? Mas eu não entendo nada dessas coisas! — Exclamou gesticulando ampla mente e Quíron abriu um sorriso.

— Seu pai é um deus associado a medicina, então acho que você vai se dar bem. — Ele virou o dorso para o curandeiro que segurava a bata, pegou-a e entregou a uma Neon muito confusa. — Você vai se sair bem. — Finalizou dando uma tapinha no braço da campista antes de rolar sua cadeira até a saída. “Onde foi que eu me meti”, pensou exasperada enquanto começava a se vestir e amarrar o cabelo num rabo de cavalo alto. Tudo o que queria era uma fofoquinha suculenta e em troca havia ganhado mais trabalho. Que ironia.

— Venha, você vai ser responsável pelos primeiros socorros. Aqueles dois ali — Apontou para os últimos dois leitos. — Já estão sob os devidos cuidados. Faltam esses três.. — Ele indicou os outros três leitos onde os pacientes gemia e se contorciam levemente. Sem muita escolha, Neon soltou um longo suspiro, Neon assentiu e se dirigiu até a primeira cama onde havia uma garota que não parecia passar dos catorze anos e apresentava fundos cortes no ombro esquerdo que pareciam ter sido feitos por garras, sem contar uma feia queimadura no braço, mas parecia apenas superficial o que fazia a situação ficar menos pior. Pelo que havia ouvido mais cedo, eles haviam sido atacados por uma quimera, cuja as garras não continham veneno. Com sorte tudo que precisava era limpar as feridas e fazer um curativo, mas é claro que Neon não tinha sorte e os cortes pareciam que iam precisar de pontos, mas primeiro a limpeza era crucial.

— Me passe a anestesia, por favor. — Pediu o curandeiro e Neon tratou de procurar a seringa com alguns mls do líquido e passou para o rapaz que aplicou algumas picadas ao redor do ferimento. Aguardaram alguns segundos antes de proceder com a limpeza. — Pode fazer a limpeza enquanto eu preparo a sutura.

Neon engoliu em seco e aproximou-se da paciente que ainda gemia e molhou um pouco de algodão no antisséptico e começou a limpar. No primeiro toque a jovem se encolheu e gemeu de dor, talvez a anestesia não tivesse batido o suficiente mas ainda assim continuou o processo o mais delicadamente possível.

— Calma, vai dar tudo certo. — Começou numa tentativa de distrair a garota da dor. — Tá tudo bem, isso aqui vai ser resolvido logo. Qual é o seu nome?

— E-Ema. Isso dói.— Gemeu apertando uma área abaixo do machucado como uma forma de minimizar a dor.

— Claro que dói, você e seus amiguinhos idiotas resolveram enfrentar uma quimera sem o mínimo preparo. — Riu-se enquanto aplicava mais uma generosa quantidade de produto na área que fez Emma se contorcer.  Ao finalizar a limpeza pegou um potinho com pasta d'água e aplicou na queimadura superficial fazendo a garota suspirar de alívio.

— Só estávamos andando na floresta, não esperávamos encontrar nada.— Defendeu-se com a maior dignidade que conseguira reunir naquele momento, mas Neon apenas revirou os olhos.

— Ok, gênia. Da próxima vez pense nas consequências de suas ações ou teremos picadinho de semideusa pra coletar e mandar para sua família. — Neon lhe deu um sorriso cínico enquanto se livrava dos chumaços de algodão sujos.

— Não seja assim. — Retrucou o curandeiro que apesar de tentar manter uma cara séria ao tentar passar a agulha pela linha, estava claramente segurando a vontade de rir. — Eu dou contado resto, ajude Alysson no leito 2. — Neon fez que sim com a cabeça e dirigiu-se ao leito indicado onde pôde ver um rapaz com grande e feias queimaduras que iam do seu tornozelo até a rótula. Fez uma careta de nojo ao passo que um arrepio passava pela sua espinha, mas mesmo assim forçou-se a andar em linha reta até a curandeira que já estava realizando os preparativos.

— Você é a garota que veio ajudar? — Não lhe deu tempo para responder, apenas entregou um potinho branco fechado, um novo par de luvas e um rolo de gaze. — Livre-se dessas luvas sujas, você pode acabar causando uma infecção nele. — Neon colocou os materiais na mesinha ao lado da mesa e jogou os materiais usados no lixo antes de calçar as novas luvas antes de se voltar para Alysson. — Pronto, agora aplique esta solução na queimadura e faça um curativo. É tudo muito simples, quando terminar me procure que estarei no leito três. — Neon fez que sim com a cabeça e começou a desrosquear o pote. O campista já a olhava com um misto de dor e desconfiança.

— Isso vai doer? — Perguntou com a testa tão franzida que poderia até dar dó se Neon ligasse a mínima.

— Não. — Disse dando um largo sorriso. — Eu não vou sentir nadinha. — E sendo assim começou a aplicação. A solução era um creme amarelado que cheirava fortemente a ervas desconhecidas, mas assim que tocava a área queimada transformava-a completamente fazendo-a parecer que estava cicatrizando a dias, não a segundos. Provavelmente um produto desenvolvido pelos próprios curandeiros e que funcionava muito bem, porém não imunizava o paciente da dor, pois o garoto ainda se contorcia toda vez que o produto tocava uma nova área, mas toda vez que esta melhorava não parecia incomodar muito mais.

Logo toda a extensão da queimadura estava praticamente cicatrizada e coberta em uma pasta amarela muito expressa. Tudo que precisava fazer agora era um curativo. Já havia feito vários curativos improvisados antes já sua família não tinha dinheiro para levar os filhos no hospital então aquilo não era exatamente novidade. Na verdade havia passado por uma situação muito parecida quando Tiana, sua meia irmã, havia derrubado água fervente por acidente em si mesma, logo tudo o que tinha que fazer era repetir aqueles mesmos passos.

Pegou as faixas de gaze que lhes foram dadas e começou a enfaixar a área cuidadosamente. Ao finalizar, colou com esparadrapos na parte interna da panturrilha e parou por alguns segundos para apreciar seu feito. Não era o melhor curativo já feio, não chegava aos pés de um profissional, mas era o suficiente.

— Pronto, moleque. Agora vê se não sai por ai sendo um idiota e dando trabalho pras outras pessoas. — Resmungou passando para o outro leito antes mesmo que ele tivesse a chance de responder.

No terceiro leito havia uma situação um pouco mais complicada. Alysson estava cuidado de uma garota cuja a barriga apresentava um enorme hematoma roxo e ela parecia estar fazendo forças para não gritar. “Muito bom, mais um idiota para ser concertado”.

— Vamos, Hayley. Fique comigo ok? Preciso que fique acordada. — Alysson falava num tom enérgico e sacudia os ombros da garota que parecia estar desfalecendo a qualquer momento. — Você, ei. — Apontou para Neon com o queixo. — Pegue um cobertor ali no armário. Ela está com uma hemorragia interna e está com muito frio.

— Certo. — Neon voou até o armário mais próximo e o vasculhou até encontrar uma grossa manta azul. Levou a coberta até a jovem e ajudou a curandeira a cobri-la de modo que ficasse o mais aquecida possível. Alysson virou a garota na posição lateral o que pareceu ajudar pois ela parecia um pouco mais acordada, mas ainda muito pálida e com dor.

— Você ficará em observação até que possamos dizer se esta hemorragia irá cessar por si só, ou se precisa de cirurgia.

— Cirurgia? —Perguntou numa voz fraquinha e arrastada.

— Fica ai uma lição pra vida, garota. Nunca mais entre na floresta sem preparo. Quanto tempo de acampamento você tem mesmo? — Neon perguntou num tom que mesclava brincadeira e uma bronca.

— Três semanas. — Hayley respondeu baixinho e Neon jogou a cabeça para trás numa gargalhada.

— Que piada, isto não é nada. Espero que tenha aprendido a lição. Tente não se matar e nem dar trabalho aos outros. — Virou-se para Alysson enquanto descalçava as luvas e as descartava na lixeira junto com a bata. — Estou liberada?

— Está. — Respondeu anotando alguma coisa em sua prancheta e Neon não esperou que ela falasse mais nada, apenas deu o fora da enfermaria.

— Bom, pelo menos tenho uma história bem detalhada para contar. — Falou para si mesma enquanto tomava rumo para o chalé onze para aproveitar seu dia livre tirando uma bela de uma soneca.

— Ah se tem. — Disse uma voz ao lado de Neon sobressaltando-a. Ao olhar para o lado percebeu que havia um velhinho vestido de médico lhe acompanhando. Primeiramente pensou que fosse algum ancião da enfermaria, mas algo em sua aura emitia muito mais poder do que um senhorzinho poderia emitir. — Olá, Neon. Vi seu trabalho hoje. Simples, mas eficiente.

— Desculpe? — Perguntou confusa encarando o idoso que lhe deu um cálido sorriso.

— Que falta de educação a minha, sou Asclépio, deus da medicina e da cura. — Ele baixou a cabeça levemente num gesto cortês, mas Neon continuava a encara-lo como se nunca tivesse visto algo igual antes, e era verdade. Nunca tinha visto um deus antes. Nem seu próprio pai.

— A que devo a….Honra? — A incerteza transbordava em sua voz, mas não sabia como agir diante da divindade, mas Asclépio parecia achar graça em sua luta interna.

— Como disse, vi seu trabalho na enfermaria e fiquei muito interessado. Não tenho muitos curandeiros por aqui e como você pôde ver, as vezes eles ficam sobrecarregados. Meu convite para você é simples: Junte-se ao grupo. Aprenda a arte da cura, você tem o que é necessário, só precisa confiar em si mesma e encontrar um bom mentor.— O jeito que o deus falava era tão leviano que parecia estar convidando Neon para comer churros e tomar um café, mas o que ele queria era algo muito grande e honestamente será que valeria a pena? De fato havia se sentido muito bem na enfermaria e tinha, digamos assim, um dom natural para ajudar os doentes e feridos, mas será que aquele era o caminho correto?

— Senhor Asclépio, eu sinto muito mas esse caminho é algo muito sério e não posso dizer um sim ou um não sem pensar sobre.

— Não tem nenhum mistério querida, você não vai começar este novo caminho fazendo cirurgias cardíacas. Irá tornar-se aprendiz de alguém e com o tempo irá evoluir. E é claro que sempre pode desistir se achar que isto não é para você. — Ele abriu outro sorriso ao ver as feições tentadas de Neon e estendeu a mão. — Vamos, querida. Tenha fé em você assim como eu tenho.

Neon protelou alguns segundos olhando aquela mão estendida, mas sabendo que poderia sair caso fosse demais para si, estendeu a mão e apertou a do deus. Imediatamente uma sensação quente irradiou de sua mão até todo o seu corpo assim como um arrepio em sua espinha. Sentia-se estranhamente diferente mas não sabia bem o que. Olhou para Asclépio e o deus continuava a sorrir de forma satisfeita.

— Seja bem vinda, curandeira. — E dito isso ele começou a brilhar intensamente, Neon sabia o que aquilo significava então fechou os olhos até que fosse seguro abri-los novamente e ficou parada no meio do caminho para os chalés, completamente confusa sobre o que havia acabado de acontecer.

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