bloodline — mnem para Astrid Maillard

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""Um chamado perdido no tempo que fora enfim descoberto;
Deve seguir pelas proximidades de um âmago popular;
Para, enfim, lhe encontrar." ."

As paredes celestes do chalé faziam companhia a uma Astrid inquieta. Fitava o teto com suas estrelas artificiais e mergulhava em um turbilhão de pensamentos. As palavras ditas pelo Oráculo pareciam confusas e sem sentido, tornando-as a repetir-se incessantemente na mente da semideusa, torturando-se em busca de uma resposta.

— Que saco… — Bufou, levantando-se da pequena cama a qual se acomodava e indo em direção a janela.

Era possível ouvir a cantoria da fogueira ao longe, um som que Maillard conhecia muito bem e ouvia toda noite desde seus treze anos. Fitou a lua soberana em meio às estrelas, emanando uma energia que preenchia todas as suas forças. Os dedos finos passeavam pelas beiradas da vidraçaria enquanto, com os olhos fechados, realizava uma prece em busca de qualquer iluminação vinda da sua protetora divina. Suspirou.

— Ao menos uma ajuda, esta é a minha prece.

De forma bruta e sem avisos, uma tempestade de raios tomou conta de sua mente. Memórias do seu passado vinham em flashes, tornando as correntes dos seus neurônios a se ativarem desenfreadas. Viu-se em meio às árvores no Canadá, cinco anos atrás, quando fora salva de um ciclope por sua meia-irmã e trazida ao acampamento, viu toda a sua jornada para chegar na atual morada em segurança, e sem mais pensamentos, soube o que deveria fazer.

— "Para, enfim, lhe encontrar…" — Sussurrou para si, recobrando sua consciência e voltando ao seu eu.

Pulou sobre as camas e pegou tudo que estava em seu campo de visão, a mochila apoiada no ombro direito, a katana acomodada na bainha em suas costas e uma adaga e as shurikens presas a sua cintura. Correu para fora do chalé, evitando contato com qualquer outro semideus que pudesse lhe fazer perguntas.

Subiu a Colina Meio-Sangue, desviando-se do caminho da fogueira e atravessou a barreira, esperava apenas que nenhuma hárpia de limpeza a pegasse "fugindo". Apressou-se para o interior do bosque, descendo o pequeno monte e se pondo por entre as árvores. Do seu bolso retirou uma dracma enferrujada, limpando-a e assoprando a pouca poeira em suas faces.

— Bom, vamos lá… — Jogara a moeda para cima, fazendo-a cair no chão. — Stêthi 'Ô hárma diabolês.

O ditado na língua anciã fez o chão borbulhar, como se as gramas e todo o barro que lhe preenchia estivesse ganhando vida e prestes a explodir em sua frente. Do âmago da floresta, um carro amarelo surgiu, trazendo consigo três senhoras cinzentas com apenas um olho — para cada uma.

— Olá jovem semideusa! A que devo a honra? — Indagou Vespa, uma das irmãs que dirigia o famoso táxi.

— Sua memória está falhando, idiota? Nós já demos carona para ela antes. Bem-vinda de volta querida! — Disse outra irmã, a única que possuía o olho em seu rosto.

Astrid sorriu, cumprimentando-as e entrando no carro. Fechou a porta e respirou fundo, sabendo o que viria adiante.

— Eu preciso chegar em Nova Iorque depressa, é uma missão importante. Na verdade, é uma urgência. — Se arrependeu ao dizer as palavras depressa, fazendo sua testa suar e engolir em seco.

— Ora ora não se preocupe querida, estaremos lá em um instante. Aperte os cintos por favor! — Disse Vespa, tomando o olho da irmã e se preparando para iniciar a viagem. — Minha vez!

Não havia cinto, Astrid apenas se agarrava às suas preces.

O carro acelerou e parecia estar prestes a sair do solo com tanta velocidade, a paisagem que deveria ser vista das janelas era apenas um borrão que parecia derreter com o passar do tempo. A lunar já havia passeado no veículo diversas vezes, mas nunca se acostumava com toda adrenalina que ele lhe proporcionava.

— Céus...se puderem ir mais devagar estarei agradecida! — Prendeu a respiração, sendo empurrada para trás com a velocidade.

Não ouviam uma palavra do que a semideusa dizia, continuavam dirigindo de forma descuidada enquanto brigavam pelo único olho. Por um segundo, Astrid achou que iria morrer antes de completar sua jornada, mas foi surpreendida pela freada brusca que provavelmente havia riscado o asfalto.

— Nova Iorque, chegamos! — Exclamou Vespa, virando-se para trás e encarando uma Maillard pálida — Sua dracma velha só nos permite vir até aqui, o resto fica por sua conta. Boa sorte queridinha.

Fora praticamente expelida do banco, caindo no chão enquanto o táxi fugia desenfreado. Limpou os joelhos enquanto se levantava, encarando os prédios que a circulavam em luzes incandescentes.

Ao menos estava viva.

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""Um chamado perdido no tempo que fora enfim descoberto;
Deve seguir pelas proximidades de um âmago popular;
Para, enfim, lhe encontrar." ."

O sol já começava a se mostrar quando Astrid saiu do simplista hotel ao qual havia passado a noite. Não sabia se havia sido uma boa ideia deixar o acampamento às pressas quase iniciando a madrugada, mas acreditava que devia recuperar todo o tempo perdido na noite de descanso indo direto ao ponto de encontro com sua meia-irmã. Acomodou todos os seus equipamentos em seu corpo e pôs-se a andar pelas ruas movimentadas da grande metrópole, não sabia como os mortais enxergavam a chamativa katana acoplada em suas costas, mas podia imaginar que não era algo que pudesse chamar tanta atenção.

Olhava em volta enquanto caminhava, procurando alguma iluminação divina que pudesse lhe guiar por entre aquelas ruas. A lua já estava escondida, sua progenitora certamente não poderia lhe auxiliar naquele momento, deveria fazer tudo por conta própria.

— Museu Metropolitano — Sussurrou enquanto lia a placa que se estendia ao lado de uma das avenidas, indicando o local adentro da rua ao oeste.

Assegurou-se de que tinha todas as armas consigo e seguiu rumo ao local indicado, não sabia o porquê, apenas queria fazer isto. Esperava que a sorte estivesse ao seu lado.

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""Um chamado perdido no tempo que fora enfim descoberto;
Deve seguir pelas proximidades de um âmago popular;
Para, enfim, lhe encontrar." ."

O museu se erguia em sua forma soberana. A fronte da construção lembrava a Astrid das grandes arquiteturas gregas, quase assemelhando-se a um dos grandes monumentos que se encontravam pelas ruas do Olimpo.

Limpou a garganta, afastando-se dos devaneios que vez ou outra a pegavam de surpresa e tiravam-lhe o foco, estava acostumada. Em passos lentos e cuidadosos, com olhos aguçados quase como os de uma águia caçando sua presa, Maillard adentrou no prédio em meio aos montes que ali se reuniam. Encontrar alguém específico não seria uma tarefa fácil.

Viajava as orbes negras por entre os quadros e esculturas que se estendiam no hall cultural, procurava por qualquer mínimo detalhe que lhe indicasse alguma pista sobre aquilo que procurava. Analisou um dos corredores curiosamente e pode avistar um aglomerado de pessoas, seguiu silenciosamente até aproximar-se o suficiente daquilo que parecia uma boa iniciativa em sua busca.

Enquanto fingia encarar uma das esculturas, colocou as mãos nos bolsos e disfarçadamente virou o canto da íris até o grupo mais próximo. Cerca de uma dúzia — ou com certeza mais — de crianças se reuniam em volta de uma das obras de arte, pareciam alunos em uma excursão visto que trajavam uniformes iguais entre si. Seria aquele o ticket de ouro de Astrid? Não havia possibilidade de um semideus adulto estar rondando cegamente o museu, apostaria todas as suas fichas em procurar a sua encomenda em meio aos pequenos ali reunidos.

Repentinamente uma ideia lhe veio à mente. Caso seu palpite estivesse correto, deveria descobrir qual delas seria a pessoa certa, mas como o faria? Suas mãos nervosas correram pelo seu corpo até alcançar a katana presa nas costas, sentiu borboletas cambalearem em seu estômago ao cogitar realizar um ato que poderia ser um tanto imprudente. Mas não havia outra escolha, novamente apostaria todas as suas fichas em uma cartada só.

Soltaria a arma de sua bainha e a colocaria à vista de todos, os mortais certamente não poderiam enxergar o mesmo que ela, talvez um guarda chuva ou algum outro objeto rotineiro, mas acreditava que nenhum deles conseguiria ver a arma com os mesmos olhos que a lupina. Deveria se aproximar do grupo de crianças e sutilmente perguntar se haviam encontrado outro par do que quer que fosse aquilo que segurava. Caso o semideus perdido estivesse ali presente, esboçaria uma mínima reação ao ver a arma empunhada em sua frente, e caso não o fizesse, a empatia da mesma conseguiria identificar qualquer pequeno resquício de pavor ou susto que tomasse conta de si.

Esperava que seu plano corresse bem, e que a névoa fosse sua aliada.

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""Um chamado perdido no tempo que fora enfim descoberto;
Deve seguir pelas proximidades de um âmago popular;
Para, enfim, lhe encontrar." ."

A situação repentina intrigou a semideusa. Sentiu um calafrio correr por sua espinha, ativando em si instintos os quais ela não poderia conter. Era algo estranho, não sabia o porquê, apenas sabia que deveria fazer alguma coisa. Se aquela fosse mesmo a garotinha a qual procurava, tinha certeza de que nada que acontecesse a mesma seria por acaso. Tal palavra não existia no vocabulário dos filhos do divino.

Novamente colocou a arma em suas costas e fez questão de permanecer sútil e neutra. Seguia as duas com o olhar até perceber um distanciamento favorável, pretendia segui-las de uma distância segura o suficiente para não parecer suspeita ou perder seu alvo de vista.

Refez o caminho de ambas em passos lentos, sem tirar as orbes de seu encalço. Já estava preparada para o pior quando as viu pararem o andar. Pretendia esconder-se atrás de uma viga a fim de não ser descoberta, suas mãos nervosas por preocupação suavam como nunca antes. Uma rápida atitude deveria ser tomada.