{Midnight Sky} — RP de Heron, Pile, Olivia e Kaim

O táxi avançou assim que Kaim o deixou, estabelecendo-se ereto na calçada.

Sem nenhum motivo específico, acompanhou o vermelho de suas luzes traseiras se distanciar cada vez mais até dobrar em outra rua e ele finalmente perdê-lo. Enfiou as mãos nos bolsos, dando os primeiros passos difusos pelo concreto, absorvendo as luzes da cidade.

Já devia estar em casa.

Kaim já não suportava o silêncio de sua própria presença, todavia.

Ele tentava, mas as estratégias que utilizava para lidar com o sentimento de ausência permaneciam ineficazes, infrutíferas. Delas já estava farto. Contudo, uma vez do lado de fora do pequeno apartamento alugado no Brooklyn e agora intrínseco ao coração de Manhattan, Kaim não sabia se aquela era uma boa ideia. Digo, sendo quem era — herdeiro de um pai poderoso —, a sombra da insegurança sobre os frequentes ataques de monstros era a maior a pairar sobre os cabelos escuros do estrangeiro.

Engoliu em seco.

Aproximou-se de uma entrada iluminada de um formoso edifício, mas uma mão o impediu de avançar mais que isso.

— Seu nome está na lista? — Questionou o segurança, os olhos pequenos avaliando a compleição e as roupas de Wernersbäch. Austero em negro, desde as botas ao casaco de couro, parecia jovial e rígido ao mesmo tempo.

— Eu estou acompanhando alguém que devo encontrar lá em cima — murmurou um nome de um importante político local. — Ele vai ficar descontente se você me deixar esperando.

— Pode subir — falou, relutante. Kaim não estava mentindo, mas também não estava contando toda a verdade. Conhecer o submundo da elite e a vida boêmia dos grandes empresários e personalidades era uma qualidade que lhe abria portas.

Portas douradas como as do elevador que entrou.






Wernersbäch sempre se perguntava se encontraria Hades em algum encontro informal como aquele.

A presença opressora do pai era a primeira que procurava quando era inserido em um ambiente como aquele, mas naquela noite não foi a do deus ctônico que encontrou. Na verdade, os focos de energia que assolaram não somente a percepção de Kaim como seu âmago eram mais próximas dele do que esperava inicialmente.

Semideuses.

Quando um garçom passou por ele, pescou uma taça sem conferir seu conteúdo antes de dar um gole em sua consistência líquida e fria. Vinho branco. Tão doce quanto o sabor a apoderar-se de seu paladar era seu olhar: orbes que procuravam por um possível alvo — políticos, investidores, viúvas ou até mesmo um garçom que pudesse lhe proporcionar diversão (e dinheiro) naquele momento.

Mas antes que fosse à caça, sabia que não poderia simplesmente evitar as outras duas semideusas.

Queria falar com elas? Não. Seria necessário? Talvez.

Talvez uma delas pudesse encher sua carteira.

— Gute nacht — falou no idioma nativo de Berlim ao aproximar-se de ambas. — Parece que a festa não está sendo tão interessante assim, não é mesmo? — Ergueu uma sobrancelha, outro gole no teor alcoólico.

Apoiou o corpo no parapeito; o garoto espiou a cidade abaixo. Lançou um olhar desgostoso ao Empire State antes de voltar-se para as socialites.

— O que vocês americanos fazem para se divertir por aqui? — Indagou, uma pontada de veneno na voz. Melhor que ninguém, Kaim sabia como divertir-se…

Ele só esperava que suas ambições estivessem alinhadas às das garotas.

Propostas.

A palavra usada por Olivia perdurou na mente de Kaim como um eco, estimulando as sinapses do moreno de tal modo a fazê-lo tentar ler a expressão da oriental. Notou nela algo cítrico, quase tendendo àquela espécie instigante de acidez que fazia com que o alemão se mantivesse, pelo menos naquele espaço de tempo, interessado nos movimentos da moça.

Somente então deitou as íris de carvão sobre a outra garota. Pile. Aquela sim parecia mais próxima de Kaim que a primeira interlocutora, de modo que um brilho sagaz tomou conta das íris abismais do homem ao perceber em Yazawa um verdadeiro potencial. Deveria ficar de olho nela, imaginou. Ela era bem mais interessante — ele só não conseguia decidir se aquele fascínio momentâneo, quase sádico, era benéfico ou não.

“Hündinnen”.

— Acho que ter vindo foi uma péssima ideia — a voz do alemão saiu baixa, apenas para ele mesmo. Era um murmúrio fechado, dada as companhias, e ele entendia que apesar de suas origens, seu sobrenome tinha pouco valor em terras americanas. Além do mais, detestava qualquer envolvimento aprofundado com a elite; pelo menos quaisquer que fugissem do seu trabalho.

O escape, porém, fora bloqueado pela visão de outro alguém.

Cabelos loiros foram a novidade naquele encontro, tão díspares dos fios de Kaim. A claridade dos olhos alheios e o semblante cândido do homem foram fatores que fizeram-no soltar um riso áspero, baixo, quando o desconhecido introduziu-se para as garotas...

Ignorando Kaim por completo.

Babaca.

Aproveitaria a ocasião para deixá-los, talvez fosse caçar em outro lugar; uma das meninas, a tão altiva Pile, levantou a voz novamente. Daquela vez, encontrou um modo nem um pouco apropriado de fazer o já envergonhado Kaim palco da conversa momentaneamente.

— Ele e eu? — O dedo indicador do alemão apontou para o homem de terno e para si mesmo, como se quisesse confirmar a quais sujeitos Yazawa se referia. — Ah não, eu não o conheço. E presumo que, ao contrário do cavalheiro, não estou acompanhado também; ou eu estou errado, senhor...?

Não sabia o nome dele; deixou o silêncio daquela lacuna não preenchida pairar no ar confinado na distância entre ambos os homens.

Wernersbäch mudou o peso de um pé para o outro.

No rosto, um sorriso lúrido a ganhar contorno. Nos pensamentos, obscenidades. Ele tentava não enxergar o presente momento através daquele filtro vermelho e afrodisíaco que tornava nebuloso o seu raciocínio; entretanto, a sensação de se colocar na pose de um desbravador o deixava estimulado.

“Desculpe. Como disse que se chamava mesmo?”

Ele não dissera, mas lhe parecia errado negar seu nome a Heron.

— Kaim Wernersbäch, ao seu dispor. — Olhou a mão do outro estendida em sua direção, então a segurou. Como de costume, não deixou de notar que a carne de Devereaux era mais quente que a sua própria (afinal, sua herança ctônica sempre estava à espreita). Não soltou-o imediatamente. — Alguns amigos abreviam o sobrenome para Werner, então sinta-se à vontade para usá-lo também.

A fala de Pile trouxe-o de volta das íris luminosas do empresário, fazendo o europeu mirar a fronte da asiática enquanto ela falava altivamente. Perto dela — Kaim não pôde deixar de notar —, a pequena Olivia esforçava-se para se fazer presente. A sombra predatória de Yazawa suprimia a de Tanaka, afogando-a num lago de desinteresse.

O sorriso do moreno tornou-se afiado quando dirigiu à mais nova do quarteto. Rápido, porém, abandonou o olhar dela. Algo no que Pile dissera sugara a atenção do estrangeiro.

— Companhias intrigantes? — Ergueu a sobrancelha. Novamente olhou para Heron, abandonando apenas naquele momento o aperto nas falanges que ainda mantinha cativa a mão do loiro. — Fico feliz que nos veja dessa forma, senhorita. E ser sua companhia essa noite talvez valha a viagem — pelo canto do olhar, correu as íris abismais ao homem de terno. — Espero estar correto quanto a isso, Heron.

Respirou fundo; a vista focada em Pile.

— Eu queria um pouco de diversão, senhorita — foi sincero com ela, sustentando o veneno de suas íris com a própria frieza das dele. — Eu precisava de um… escapismo. Qualquer coisa que me fizesse esquecer, mesmo que por algumas horas, a vida ridícula que levamos enquanto…

Deixou o termo “semideuses” pairar entre ambos como um fantasma.

— … Bom, você entendeu.